Médico emociona web ao relatar consulta de idosa com câncer: 'Ela que me curou'
Simplicidade da reação da idosa, mesmo decepcionada, tocou o coração de Resende, cujo relato já alcançou mais de 100 mil compartilhamentos ...

Simplicidade da reação da idosa, mesmo decepcionada, tocou o coração de Resende, cujo relato já alcançou mais de 100 mil compartilhamentos no Facebook
O texto do médico comove ao transportar o encontro no hospital para a literatura. Ela chegou a ele franzina, com "mãos de sutil aspereza de quem trabalhou pesado a vida toda". Vestia a melhor roupa que tinha. Mas Resende precisava avisá-la de que a doença havia voltado e progredido, e ela precisaria retomar a cansativa e nauseante medicação.
"Mas, Dotô. Não diga isso", respondeu Socorro, enquanto seu rosto se entristeceu. Doeu no médico, que pediu à senhora que não ficasse triste porque tinha coração mole e poderia chorar. "Vou chorar em casa, para o senhor não olhar", rebateu a idosa, com brilho nos olhos, segundo o texto. Ela se despediu: "Dotô, o resto pode estar doente e não prestar, mas meu coração é grande e bom".
"Consegui enxergar naquela consulta algo que vou levar para a vida. A forma com que ela respondeu (à notícia), no gesto, na simplicidade, me tocou. Desde que deixei a minha cidade, foi difícil abrir mão de momentos com a minha família para uma missão maior aqui. São essas histórias que me preenchem e me alentam, me fazem continuar", explicou o médico ao Extra, surpreso e assustado com a repercussão.
Medicina humanizada
João Carlos Resende Martins Medeiros Trindade é natural de Campina Grande, na Paraíba, e foi morar no interior de São Paulo em março do ano passado para a residência em oncologia. Sempre gostou de escrever, movido pela leitura e pelo incentivo da mãe, que é revisora ortográfica. Muito ligado aos parentes desde criança, ele convive hoje com a solidão. Mas aposta na missão de ajudar na fragilidade dos pacientes com câncer, em um mundo que "usa a fragilidade das pessoas para o engano, o golpe". E se apoia em afagos como o de Dona Socorro, o que trouxe um sopro de esperança.
"Ela me ajudou muito mais do que eu, como médico, poderia ajudá-la. Ela que me curou. Me senti visitado por Deus. Foi uma semana me desestimulou, me fez pensar na Paraíba. E veio aquela mulher, naquela simplicidade... Muita gente me diz que eu deveria ser mais frio para não sofrer. Mas o que eu recebo de volta com isso é uma satisfação que faz valer a pena o fato de deixar minha mãe, meu pai, minha avó para cuidar da mãe, do pai e da avó dos outros".
Resende é fiador de uma medicina humanizada. Gosta de sentar e ouvir a história do paciente. Desde a faculdade, era desaconselhado a escolher a oncologia por ter "coração mole". O médico, que se diz tímido, nunca havia visto tamanha repercussão de um texto seu, apesar de escrever constantemente aos seguidores e publicar de forma privada no Facebook. Desta vez, uma amiga pediu que tornasse público para ela compartilhar.
"Apesar da amplitude (do texto na rede social) que eu não esperava e até não queria, vi um significado nisso, é uma forma de estimular que outros colegas façam o trabalho deles de forma não tão técnica, não só prescrever remédios. A gente tem que tratar a dor, a doença, mas às vezes uma palavra pode resolver. Eu poderia olhar a morte como frustração, como algo que não deu certo no que fiz, mas todo mundo tem que viver com dignidade e tem que morrer com dignidade também", defendeu Resende, que pretende voltar ao seu estado natal ao fim da residência, no ano que vem.
A paciente autorizou a divulgação do contexto e da foto da consulta. O médico preservou detalhes sobre a condição da doença de Dona Socorro e mais informações sobre a paciente, em nome da ética médica. Por uma questão técnica, o relato acabou publicado duas vezes no Facebook — um deles tem quase 60 mil compartilhamentos; o outro, 41 mil. Segundo médico, a repercussão fez pacientes e colegas de trabalho o pararem nos corredores para agradecer pela energia renovada.